Para certas pessoas e certas culturas, o sonho é um prenúncio da morte. Para outras não. Para umas, é desligar-se da realidade, sólida, fria, mas segura. Para outras, é enxergar a realidade mais profundamente, e poder alcançar e tocar na verdade por trás das coisas, num contato intimo e místico entre o Eu e o Universo. O sonho me diz muitas vezes mais coisas do que a fria realidade, inclusive sobre a própria realidade. Pois ele vai além, traz o sentido metafísico que tanto falta à dura materialidade das coisas. É o elo de ligação entre o particular, nós, aqui neste plano, e o universal, o todo que tudo abarca. O sonho fala das nossas mais altas aspirações, que para alguns se tornam apenas meras “pirações”. A diferença de um e outro é o ar que enche o pulmão, desencadeando uma explosão de reações químicas que aguçam a nossa percepção e incendeiam o processo de tomada de consciência, nos trazendo uma visão mais ampla e totalizante da realidade. Sonho e visão X Ver para crer. A diferença que separa uma modalidade da outra é a mesma que separa a realidade subjetiva, interna, da realidade objetiva, externa e sensível, mensurável. O medo de não poder medir a extensão da subjetividade vem do desejo de permanecer sempre na bicicleta com rodinhas, confortável, mas previsível. O desejo de subjetividade, ao contrário, não propõe uma negação da realidade objetiva, mas uma trégua, um momento de repouso e vôo. Uma tomada de ar. Respiração. O input da diferença. O crescimento e amadurecimento do ser, em direção a uma realidade mais plena, não só determinada pelas injunções da matéria lítica, mas provida de movimento, liberdade, ainda que restrita, em suma, vida.
O mito do encontro entre as Sereias e Odysseu (Ulisses), relatado por Homero na Odisséia, remete ao mesmo tipo de questões. Só que não vejo a cena sob o prisma da leitura iluminista de Adorno e Horkheimer, onde é a razão a grande vencedora. Para mim, isso seria insistir num pensamento dicotômico, onde há um certo e um errado, uma razão e uma paixão. Seria ler o mito pela metade, como se Ulisses tivesse se atado ao mastro mas não ouvido ao canto mavioso das Sereias. Seu canto é tão importante para a vida de Ulisses quanto o regresso deste à Ítaca. O conflito é justamente como manter um sem abrir mão do outro: esse é o grande desafio e o verdadeiro conteúdo do mito. O que faz do poeta maior é a própria idéia das tramas de regresso (nostoi), onde é preciso tornar-se alguém, individualizar-se, ganhar identidade consigo próprio, sem renunciar à condição de anônimo (Ulisses diz à Polifemo, quando este lhe pergunta quem é que pode ludibriar-lhe: “Ninguém!”). É apenas ao Capitão Nemo (“Ninguém”, em Latim) a quem cabem as Vinte Mil Léguas Submarinas, grande sonho nas profundezas do Oceano, e no entanto, cheio de perigos e aventuras. Talvez a palavra que melhor descrevesse a realidade subjetiva fosse essa: uma grande Aventura, a qual fosse preciso conservar a radiante vibração da meninez, sem medo de ser feliz.
O mito do encontro entre as Sereias e Odysseu (Ulisses), relatado por Homero na Odisséia, remete ao mesmo tipo de questões. Só que não vejo a cena sob o prisma da leitura iluminista de Adorno e Horkheimer, onde é a razão a grande vencedora. Para mim, isso seria insistir num pensamento dicotômico, onde há um certo e um errado, uma razão e uma paixão. Seria ler o mito pela metade, como se Ulisses tivesse se atado ao mastro mas não ouvido ao canto mavioso das Sereias. Seu canto é tão importante para a vida de Ulisses quanto o regresso deste à Ítaca. O conflito é justamente como manter um sem abrir mão do outro: esse é o grande desafio e o verdadeiro conteúdo do mito. O que faz do poeta maior é a própria idéia das tramas de regresso (nostoi), onde é preciso tornar-se alguém, individualizar-se, ganhar identidade consigo próprio, sem renunciar à condição de anônimo (Ulisses diz à Polifemo, quando este lhe pergunta quem é que pode ludibriar-lhe: “Ninguém!”). É apenas ao Capitão Nemo (“Ninguém”, em Latim) a quem cabem as Vinte Mil Léguas Submarinas, grande sonho nas profundezas do Oceano, e no entanto, cheio de perigos e aventuras. Talvez a palavra que melhor descrevesse a realidade subjetiva fosse essa: uma grande Aventura, a qual fosse preciso conservar a radiante vibração da meninez, sem medo de ser feliz.